Abel vê sacrifício maior do Fluminense em 2013 e 'detona' problemas da Libertadores: 'Altitude, campos, arbitragem...'
O Carioca e o Brasileiro não foram o bastante. Após um ano de sucesso absoluto em 2012, o técnico Abel Braga e o Fluminense lutam pela conquista do título inédito da Copa Libertadores neste ano.
Em entrevista exclusiva ao ESPN.com.br nas Laranjeiras, o treinador reconheceu que seu time, embora mais forte no papel, tem tido mais dificuldades para superar os obstáculos de 2013 do que tivera no ano anterior. E quantos obstáculos...
"Você tem que jogar em altitude, campos ruins, campo sintético... Isso tinha que ser abolido. Nós tínhamos ficado felizes com aquela decisão da Conmebol, da Fifa, de que não ia mais ter jogo em altitude, mas aquilo durou uma semana e foi imediatamente abolido. Enquanto continuar isso, a dificuldade é dos clubes brasileiros, que tecnicamente são melhores, e 60% da receita é feita pelos clubes brasileiros, pela televisão brasileira. No fundo somos nós os prejudicados", reclamou.
Sem fugir das polêmicas, como de praxe, Abel ainda deu a sua opinião sobre a evolução da infra-estrutura do Fluminense nos últimos anos, a situação difícil dos treinadores no Brasil, os casos de doping de Deco e Michael... assuntos não faltaram. Você, fã do esporte, confere a primeira parte desta conversa a seguir.
ESPN.com.br - Você passou pelo Fluminense primeiramente em 2005. Na sua volta, em 2011, o clube parece estar mais bem estruturado. Que mudanças você foi capaz de perceber neste período?
Abel Braga - O Fluminense hoje está todo diferente como um todo, e isso é extremamente importante. É um clube forte, muito, muito melhor organizado, muito melhor estruturado. Para você ter ideia, o Fluminense chegou a ter em um ano, não sei te precisar bem, não sei se foi 2009, aquele ano que quase caiu, ou 2008, o Fluminense chegou a contratar 27 jogadores em um ano. Nos últimos anos, o número de contratações é de 10, 11, 12 por ano. Eu cheguei aqui em junho de 2011, e até maio de 2013, quando estamos fazendo essa entrevista, nós contratamos 10 jogadores, isso em quase dois anos no clube. Então você vê que a minha filosofia não mudou muito: em um plantel de 28 jogadores de campo, temos 10 jogadores da base, e isso ocorreu naquela oportunidade de 2005. Mas o clube como um todo é diferente. Tanto que o Fluminense fez do ano passado para esse ano apenas três contratações: o Rhayner, o Monzón e o Welllington Silva. O mais importante foi manter o grupo, com os mesmos jogadores, mesma filosofia e o mesmo patrocinador, que é forte. O clube está nos dando condições muito legais, e com certeza daqui a mais alguns meses será muito melhor com a construção do CT. Então, o Fluminense de hoje é muito diferente daquele de 2005.
E você considera que esse time do Fluminense de 2013 é mais forte que o do ano passado, que conquistou o Estadual e o Brasileiro?
A princípio, teria que ser. Mas é incrível que os problemas que nós estamos tendo esse ano estão nos fazendo ter um sacrifício maior do que no ano passado. Chegamos no jogo do ano passado contra o Boca [pelas quartas de final da Libertadores-2012, quando o Flu foi eliminado] sem o Deco, sem o Fred, sem o Carlinhos... Mas agora as coisas estão acontecendo de forma mais acentuada. Isso tem sido um prejuízo para a gente. Mas a nível de estratégia, de conhecimento, isso é bom, porque o grupo se torna mais forte. Eles já conhecem o estilo de jogo do treinador, e eu sei o que os jogadores podem me dar. Eu acho que nós continuamos inseridos. O que nós entramos, disputamos. Perdemos esse ano o Estadual, que ganhamos ano passado, mas chegamos na semifinal da Taça Guanabara, jogando dois dias antes da Libertadores, chegamos na final da Taça Rio contra o Botafogo, dois dias antes de Libertadores, tendo viajando sete, oito horas. Não deu para ganhar, mas estamos disputando, e o torcedor está entendendo isso. O Corinthians também pagou esse preço, além de ter sido garfado de maneira vergonhosa contra o Boca, como há muito tempo eu não via. Não foi um lance. Quando é só um lance o juiz pode não ver. A televisão até mostrou um ângulo que mostrava que o juiz estava encoberto no pênalti. Mas o gol do Romarinho foi anormal. Foi muito claro. Aquilo que passou com o Corinthians foi anormal.
Além da questão da arbitragem, você acha que o Corinthians foi prejudicado pelo acúmulo de jogos, como você mencionou que aconteceu com o Fluminense nas decisões da Taça Guanabara e da Taça Rio?
Três dias antes o Corinthians tinha jogado uma final com o Santos [pelo Paulista], jogou contra o Boca [pelas oitavas de final da Libertadores] e sabia que três dias depois tinha novamente um jogo decisivo contra o Santos. Isso, na cabeça do jogador, no mental, é complicado. Nós ficamos fora do Estadual, mas pelo menos agora estamos pensando na Libertadores, vamos ver até onde podemos ir. Nós abraçamos a causa totalmente. Não é que nós queríamos ficar fora do Estadual, mas se nós tivéssemos ganhado do Botafogo [na final da Taça Rio, quando o Alvinegro venceu por 1 a 0 e foi campeão carioca por antecipação], teríamos jogado uma final domingo [a decisão geral do Estadual]. Aí você para, esquece tudo, muda o cenário, agora é Libertadores novamente, aí domingo ia ter outro jogo da final, para depois voltar à Libertadores novamente... É difícil. Os clubes que disputam a Libertadores, que é o que todo mundo quer, não precisam abdicar do Estadual, mas têm que ter um privilégio, para as grandes equipes serem um pouquinho preservadas no número de jogos. Os campeonatos estaduais do ano que vem começam dia 4 de janeiro. O que você vai fazer? Se um brasileiro for campeão da Libertadores e for disputar o Mundial de Clubes, termina no dia 16, 17 de dezembro. Me dá uma solução! Não tem. Vai treinar três, quatro dias? É complicado, muito complicado, e vai ser um ano pior ainda, é ano de Copa do Mundo. Esse ano já está essa confusão toda com esse negócio de Copa das Confederações.
Você já citou algumas dificuldades que o Fluminense vem tendo, como a arbitragem e o calendário. Além disso, sabemos que a Libertadores, em comparação com a Liga dos Campeões, por exemplo, oferece diversos obstáculos extracampo, como a questão de os jogadores terem de ser protegidos até para cobrar escanteios, as viagens... Com toda a sua experiência na competição, e já tendo sido campeão em 2006, pelo Internacional, você vê alguma evolução acontecendo?
Não, não vejo evolução. Lamentavelmente, não vejo evolução. Só nos meus tempos de jogador eu vi um campo tão ruim como aquele do Caracas [adversário do Flu na primeira rodada da Libertadores deste ano], nunca tinha visto nada igual. Enquanto houver em uma Libertadores, na nossa Champions League, altitude, campo sintético, esse tipo de arbitragem... Enquanto tiver isso, não vai melhorar nada. O que você vê na América do Sul é que muitos países estão evoluindo. O futebol colombiano e o venezuelano evoluíram muito e estão fortes, mas não estão melhores porque, de repente, o Caracas, que é uma equipe boa, joga naquele campo. Eles jogaram melhor em São Januário do que no próprio estádio deles. O Huachipato venceu o Grêmio no Sul [também pela primeira rodada da Libertadores deste ano]. Eles estão evoluindo, mas, ao mesmo tempo em que evoluem, você tem que jogar em altitude, campos ruins, campo sintético... Isso tinha que ser abolido. Nós tínhamos ficado felizes com aquele decisão da Conmebol, da Fifa, de que não ia jogar mais em altitude, mas aquilo durou uma semana e foi imediatamente abolido. Enquanto continuar isso, a dificuldade é dos clubes brasileiros, que tecnicamente são melhores, e 60% da receita é feita pelos clubes brasileiros, pela televisão brasileira. No fundo somos nós os prejudicados.
Nesse mês, nós vimos o Alex Ferguson se aposentar depois de passar 27 anos no mesmo clube, o Manchester United. Aqui no Brasil, por outro lado, o Vanderlei Luxemburgo, que é pentacampeão brasileiro, passou muito perto de ser demitido depois de ser eliminado da Libertadores na semana passada, pelo Grêmio. Você, que está há quase dois anos no Fluminense, é um caso raro de treinador que se mantém durante bastante tempo em um clube. O que você acha disso tudo?
Eu acho que o grande exemplo quem deu foi o Andrés [Sánchez], quando o Corinthians foi eliminado em uma fase de mata-mata [da Copa Libertadores-2011], depois foi campeão brasileiro. Tinha caído de divisão e voltou para a primeira divisão, foi campeão da Libertadores, foi campeão mundial. O Vanderlei, no ano passado, mostrou a capacidade que tem, fez um trabalho fantástico no Grêmio, colocou o time na Libertadores. O Grêmio contratou, fez uma equipe forte, mas nem sempre dá o encaixe que se espera, no tempo que se espera. Ninguém vai dizer que o Grêmio não contratou, ninguém pode dizer que o Vanderlei não é bom, ninguém pode dizer que o time do Grêmio é ruim, ninguém pode dizer isso. Mas futebol tem tempo. Eu cheguei aqui em junho de 2011. O Fluminense ficou esperando três meses terminar meu contrato nos Emirados Árabes. Eu cheguei aqui e tomei pancada um mês, queriam me mandar embora. Não mandaram, e eu acho que eu ganhei, mas o clube ganhou mais ainda, porque conseguimos chegar à Libertadores, fizemos uma boa Libertadores em 2012, ganhamos o Campeonato Carioca, fomos campeões brasileiros. Agora estamos fazendo novamente uma boa Libertadores, chegamos em uma semifinal de Taça Guanabara e final de Taça Rio.
Como você enxerga essa política de demitir treinadores com tanta facilidade?
Mudar por mudar, isso é para pagar impacto. Esse negócio de derrota tirar treinador, isso é para tirar a responsabilidade de dirigente que não organizou bem. Se você contrata o treinador, forma a equipe da maneira que o treinador pediu, daqui a pouco os resultados não vêm e você manda o treinador embora, você está passando o atestado de incompetência também para você, diretor, porque você não está confiando naquilo que você programou, que você criou como projeto. Às vezes leva um pouquinho de tempo. O Grêmio contratou, tem uma direção muito boa, tem um estádio lindo, tem um ótimo treinador, e esse time vai encaixar. Não deu na Libertadores, mas de repente vai ganhar o Brasileiro, ou vai disputar novamente a Libertadores, vai estar muito mais forte no ano que vem. E, com certeza, ele pode ficar mais forte nesse momento se for com o mesmo treinador. Às vezes você muda e o negócio melhora, mas os clubes que andam bem no Brasil hoje estão mostrando que isso não se faz mudanças. O Muricy continuou no Santos e ganhou a Libertadores, o Tite continuou no Corinthians, ganhou Brasileiro, Mundial e Libertadores, o Cuca está fazendo um trabalho fantástico no Atlético-MG, o Vanderlei fez um trabalho bom no ano passado e continuou no Grêmio, o Dunga agora está no Inter e foi campeão gaúcho... Amanhã perde dois, três jogos e muda? O cara está lá há seis meses. A cada dia que passa, você consegue ter uma resposta maior daquilo que o seu jogador pode te dar. Hoje eu sei muito mais dos meus jogadores do que no ano passado. Isso é tempo, futebol não tem milagre. O Borussia, na Alemanha, vem há muito tempo com o mesmo time, mesmo treinador, contratações bem pontuais, e vê aonde chegou. Foi campeão alemão no ano passado, agora chegou na final da Champions League, o negócio por aí. Quando tem mudanças muito drásticas, normalmente não resolve.
E a questão do doping do Michael e do Deco? Como você vê esses problemas?
O Michael é um menino, então a primeira coisa que eu fiz foi transferir para mim [a responsabilidade]. Pelo fato de o meu filho [Fábio Braga, volante reserva do Fluminense] ser colega dele, de eles jogarem aqui e na base juntos, é difícil imaginar qual seria a minha atitude se fosse meu filho. Em primeiro lugar, eu ia saber que em algum ponto eu falhei, porque eu nasci no subúrbio e convivi com amigos de escola que foram para o lado da maconha, naquela época não tinha nem cocaína. Depois virou moda roubo de carros. Os caras roubavam para chegar nos bailes, nos clubes de sábado e domingo, com The Fevers, Renato e Seus Bluecaps, aquelas coisas. Os caras chegavam de carro para mostrar para as garotinhas que estavam de carro. Esses amigos meus foram para esse lado. Eu não fui, então isso mostra que meus pais não falharam comigo. Mas o menino está morando sozinho no Rio de Janeiro, longe da família, então eu transferi para mim a preocupação que eu tenho com meu filho fora de campo. Eu passei a ter essa preocupação com ele aqui dentro do clube. Todo dia vou nele e falo: ‘E aí, moleque, como você está?’ Falei para ele ler o livro do Casagrande, que ele vai aprender muita coisa ali. O Deco, claro, é uma coisa totalmente diferente. Foi um remédio manipulado, a substância não constava na receita, não acredito que vai dar nenhum problema maior do que esse um mês de suspensão preventiva, e inclusive outras consequências para o laboratório.
FONTE: ESPN
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