Além de ir ao encontro das características ofensivas do plantel que Alejandro Sabella tem em mãos, o sistema da segunda etapa - que, por sinal, foi utilizado em quase toda a eliminatória para Copa - torna a Argentina mais compacta e facilita o tão famoso "toco y me voy". Como um pivô, Higuaín faz a parede perfeita para as tabelas rápidas já conhecidas de Messi, enquanto Fernando Gago - outra novidade - é o responsável por fazer a bola chegar limpa aos pés do craque, sem que ele tenha que recuar tanto para organizar as jogadas. O que se viu no primeiro tempo diante dos bósnios foi uma Argentina que passou sustos mesmo com cinco defensores, e com um camisa 10 distante de seus principais coadjuvantes: Agüero e Di María.
Preocupado em evitar riscos em uma estreia contra o adversário mais complicado do Grupo F e fortíssimo na bola aérea, Sabella optou pela segurança. Com Campagnaro e Maxi Rodriguez, ganharia altura na defesa e força física no combate no meio-campo. Tudo muito encaixado na teoria - até porque, foi assim que os hermanos venceram a Bósnia no ano passado -, mas o que se viu na prática foi um time desarrumado, com um buraco no meio-campo e que se via obrigado a valorizar a posse de bola no campo defensivo. Em 45 minutos, os hermanos a tiveram em seus pés por 55% do tempo, mas sequer assustaram o goleiro Besovic - o gol surgiu em um lance de azar de Kolasinac, que fez contra.
Posicionamento muda pouco, mas aproximação de Gago e
opção de Higuaín mudam realidade de Messi (Infoesporte)
Com cinco defensores no fundo e Mascherano na cabeça da área, a Argentina tinha dificuldade na saída de bola. Maxi Rodriguez, que deveria fazer essa função, foi peça praticamente nula, e Di María também esteve longe de viver sua melhor noite. O que acontecia: Messi era obrigado a recuar muito para pegar a bola e sofria com a marcação sempre dobrada dos bósnios. Muito distante de Agüero, tentava a condução até o ataque, mas o cerco fechava e não foram poucas as vezes em que foi desarmado ou se viu obrigado a tocar para trás. Surpreendentemente, quem mais lhe deu opção foi Zabaleta, pela direita. Nenhuma boa jogada, no entanto, foi criada. Depois do jogo, o camisa 10 admitiu que o esquema tático estava dificultando suas ações.
Quando mudou, melhoramos muito. Tivemos a bola e criamos muitas chances de gol. Quando jogamos juntos, temos mais possibilidade de passe, saímos juntos. No primeiro tempo a bola estava nos pés da Bósnia, estava distante, eu fiquei sozinho
Lionel Messi, capitão da Argentina
- Por ser a primeira partida, o nervosismo, a ansiedade, pode ser que Alejandro tenha optado por um outro sistema no primeiro tempo, com cinco atrás. Quando mudou, melhoramos muito. Tivemos a bola e criamos muitas chances de gol. Quando jogamos juntos, temos mais possibilidade de passe, saímos os quatro juntos. No primeiro tempo a bola estava nos pés da Bósnia, estava distante, eu fiquei sozinho. Foi difícil.
Sem a aproximação dos companheiros, Messi passou apagado no primeiro tempo, e a cobrança de falta que resultou no gol contra do defensor bósnio foi o único lance digno de registro. Na volta do intervalo, por outro lado, o panorama mudou, e muito. Sabella abriu mão do esquema precavido e que tinha treinado somente uma vez na Cidade do Galo, e colocou em campo o 4-3-3, sistema que chegou a dizer recentemente ser tão conhecido que sabiam como a Argentina jogava até em Júpiter. Com Gago e Higuaín nas vagas de Maxi e Campagnaro, a equipe perdia o apoio constante de Zabaleta, mas passava a ser mais coesa, principalmente a partir do momento em que a bola saía dos pés de Mascherano.
Tabela com Higuaín e suporte de Gago no lance do gol
Higuain e Messi se abração após craque marcar
seu primeiro gol no Mundial (Foto: Getty Images)
Com um losango no meio-campo, o ex-jogador do Corinthians seguia como cão de guarda. Gago e Di María atuavam abertos na segunda linha do setor, em lados opostos, e se aproximavam de Messi para entregar a bola já quase na intermediária ofensiva ou para fazer um-dois. Por conta do setor do campo onde o craque costuma agir, partindo da direita em diagonal para o centro do campo, o jogador do Boca Juniors se torna, naturalmente, um parceiro fundamental. Com quem pudesse tabelar, o camisa 10 encontrava mais espaços para sair da marcação e colocava um ponto final na solidão que tanto o afligiu no primeiro tempo.
- É como estamos acostumados a jogar, como vínhamos jogando - disse ao passar na zona mista, lembrando que foi com esta formação que a Argentina passou sem sustos pelas eliminatórias.
E se espaço para arrancar não era mais um problema tão grande, quando partia com a bola dominada o panorama também era muito mais favorável. Com a entrada de Higuaín, passava a ter duas opções para servir. A preocupação com a dupla de ataque, consequentemente, dificultava que a Bósnia dobrasse a marcação e ajudava também Di María a ter mais liberdade. Logo que a bola rolou para o segundo tempo, Messi se tornou mais participativo, e a jogada de seu gol exemplifica bem a importância das alterações.
Foi Gago quem recuou para iniciar a jogada, em função que Messi tentava fazer no primeiro tempo. O volante serviu Higuaín, que logo acionou um camisa 10 já em seu 'habitat natural", a intermediária ofensiva pela direita. Messi dominou e arrancou. Pipita mais uma vez se apresentou para jogar, e tabelou de primeira, dando ainda mais velocidade ao lance. O restante foi aquilo que é quase um padrão Messi: dribles curtos para o centro do campo e chute colocado para gol.
Messi é o melhor do mundo. Além disso, existe sempre um contexto que pode melhorar as condições pra ele. Repito o que disse antes: quando ele recebe esse suporte dos colegas, sem dúvidas dá mais coragem para ser o Messi melhor do mundo
Alejandro Sabella, técnico da Argentina
Em entrevista coletiva, Alejandro Sabella admitiu que pode ter se equivocado na escalação e deixou claro que sua função é oferecer estrutura para que Messi desempenhe o futebol que o colocou como melhor do planeta por quatro anos seguidos. A julgar pelo jogo com a Bósnia, ficou evidente de que forma deve fazer isso.
- Messi é o melhor do mundo. Além disso, existe sempre um contexto que pode melhorar as condições pra ele. Repito o que disse antes: quando ele recebe esse suporte dos colegas, sem dúvidas dá mais coragem para ser o Messi melhor do mundo.
O crescimento de Messi, como era de se esperar, contagiou também Agüero e Di María, que, se não foram brilhantes, foram mais participativos. O quarteto ofensivo parece se procurar instintivamente, e o auxílio quase que silencioso de Gago é determinante também para que isso aconteça. Sempre por perto, é o primeiro a dar o combate em caso de desarme, mas também tem muita qualidade no passe para tabelas e triangulações. Desta maneira, outras boas chances foram criadas ao longo da etapa final e desperdiçadas uma cada pelos quatro homens de frente.
Nem mesmo defensivamente o esquema escolhido por Sabella para o primeiro tempo surtiu o efeito esperado. Com uma paciência até surpreendente e mais homens no meio-campo, a Bósnia conseguia chegar até com certa facilidade pelas laterais, e finalizou mais: 6 x 4. Diretamente influenciado pelas alterações no intervalo, Zabaleta explicou o que mudou em suas ações com cada formação.
- Com o sistema de três zagueiros, tendo um jogador atrás de mim, naturalmente tive mais liberdade para ir ao fundo e acompanhar as situações de ataque. Depois, no 4-3-3, fiz mais o que fazíamos nas partidas anteriores, sendo mais conservador, ocupando o espaço e deixando que os jogadores de frente fizessem a diferença.
E na estreia na Copa do Mundo, eles fizeram. Messi e Higuaín mais do que Di María e Agüero, mas é inegável que as possibilidades da Argentina dependem muito dos quatro em campo. O próprio Messi, discretamente, já deu o recado. Afinal, 45 minutos de solidão já é tempo demais em um Mundial.
Messi comemora gol com Agüero e Di María:
três do quadrado mágico da seleção argentina (Foto: Agência Reuters)
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