A mãe de Flávia, Josiette, foi atleta de nado sincronizado e hoje é técnica da equipe da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFP). Assim, a menina que hoje tem 24 anos conviveu com o esporte desde a infância. Quando veio a adolescência, porém, um problema na tireoide aflorou e desencadeou um significativo ganho de peso. Quanto mais quilos a balança indicava, mais críticas a jovem atleta ouvia.
Apesar de sofrer com algumas das colocações, principalmente de treinadores de outras equipes, Flavia decidiu que seguiria no esporte a qualquer custo. Se o biótipo não facilitava a evolução a um nível mais profissional, ela dedicou-se na área acadêmica e adotou uma rotina puxada para conciliar com os treinos. Hoje é formada em Educação Física, dá aulas de natação e auxilia a mãe com a equipe da universidade paranaense – e também atua como atleta.
- Eu nem sempre fui dessa forma física em que estou. Quando comecei a engordar fui muito criticada. Nosso esporte é muito visual, tem um estereótipo bem classificado, meninas altas, magras, e não me encaixo eu nenhum desses padrões. Mas acho que não tem por que não praticar, porque é saúde física e mental. Esse esporte é minha vida e nunca pararia por isso. Eu sendo provavelmente a pessoa com estereótipo mais diferente pode chamar atenção para o lado positivo também. Eu mostro que as pessoas podem sim praticar e até participar de uma competição grande. Por que não? Acho que esse esporte é muito bonito para se reduzir a uma parcela tão pequena da população – disse Flávia.
Flavia, à direita, mergulha na piscina do Parque Aquático Maria Lenk (Foto: Satiro Sodre/SSPress)
No nado, busca-se a maior uniformidade possível entre as atletas, não apenas nas características físicas, mas sobretudo na sincronia dos movimentos. Assim, é fundamental que todas executem os elementos com os mesmos graus de flexibilidade, altura e velocidade. Para manter-se na água nos mesmos parâmetros das companheiras, Flávia precisa fazer um esforço muito maior do que as demais.
- Na minha equipe só tem meninas do estereótipo, e para elas fazerem um movimento precisam de uma força "x". Eu tenho que ter a mesma altura que elas na água, porque é uma questão técnica, então preciso de uma força "2x" para me sustentar, então é complicado. Se for colocar em números, eu provavelmente sou a mais forte dali, porque sou quem tem que levantar mais peso. Eu vejo gente treinando com caneleira, mas querendo ou não é como se eu fizesse competição com caneleira (risos). Dentro da água influencia bastante a questão de flexibilidade e força. Ser acima do peso claro que dificulta. Mas mesmo assim estou fazendo dueto, estou muito feliz com meu desempenho da forma que é.
A satisfação pessoal da atleta, no entanto, se refere mais ao sentimento de dever cumprido do que às notas que sua equipe recebe dos jurados. Como o IV Brazil Synchro Open é aberto a clubes, a UTFP participou dos eventos no Parque Aquático Maria Lenk. Na sexta-feira, na rotina técnica, Flavia fez dueto com Mayra Paes e ficou na nona e última colocação com 57.0659 pontos, quase 13.000 pontos atrás do oitavo colocado.
Neste sábado, a UTFP apenas se apresentou, sem competir, na disputa da rotina técnica por equipes. A nota 53.2200 colocaria o time na última colocação, enquanto a Ucrânia liderou com 88.4631, seguida por Espanha (87.1811) e Brasil (81.7000). Para a técnica e mãe Josiette, os números refletem não apenas a defasagem técnica de um time amador em relação a seleções profissionais, mas também o preconceito existente na modalidade.
Flavia com sua mãe e técnica, Josiette
(Foto: Helena Rebello)
- É complicado porque o esporte prefere ainda atletas com outro tipo de biótipo. A gente geralmente vê isso nas notas. Mas a gente não se importa por isso. Dentro da universidade a gente faz mais um projeto social e aceita todo tipo de atleta. (...) Muita gente pensa que o problema (da Flávia) está relacionado à comida, mas é muito mais profundo. A tireoide dela não funciona. Como mãe, é muito duro ouvir isso porque vejo que ela faz sacrifícios, faz dieta, mas é difícil. Apesar de ter o peso, ela treina muito mais do que a maioria das minhas atletas, apesar de que os árbitros não olham ela como olhariam para uma atleta mais magra. Tem esse preconceito, tanto é que na própria seleção tem esse critério.
O critério a que Josiette se refere é sobre a utilização do percentual de gordura das atletas como um fator de grande influência em um possível corte na seleção brasileira. Treinadora da seleção, Maura Xavier afirma que o biótipo é fundamental na busca pelo alto rendimento e comentou que a técnica canadense Julie Sauvé, que hoje também trabalha com a seleção brasileira, se surpreendeu com o tipo físico médio que encontrou por aqui.
- A Julie chegou no Brasil e viu bundinha, viu coxinha, tudo maior. Não é só porque o biótipo é magro, mas a pessoa mais leve vai sair mais da água. Você perde em velocidade e em execução (com mais peso). Além disso é um esporte estético sim. Não é só uma questão estética, mas de performance. Hoje em dia o biótipo é bem forte em cima, braço forte e perna leve, como um triângulo. A gente gosta de percentual bem baixo. Hoje na seleção temos percentual de 6%, 7% de gordura. O mais alto, que é muito alto, é 13%.
Na rotina livre do dueto, neste sábado, a UTFP foi representada por Stefani Bhorer e Jessica Spitz e terminou na nona colocação com 53.0333 pontos. A Ucrânia venceu com 90.9667, com Canadá (89.0667) e China (88.2000) na sequência. Neste domingo, Mayra Paes representará a instituição paranaense no solo, e Flávia Dall’Acqua voltará à piscina do Maria Lenk na disputa por equipes na rotina livre.
FONTE: GLOBO ESPORTE
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