Havana – Eduardo Valdes espiou por cima dos apartamentos com telhados de zinco de Playa, passando pelas embaixadas de meados do século de Miramar, até o azul royal cintilante do distante Estreito da Flórida, procurando por uma pitada de branco rolando para o leste a partir da Marina Hemingway.
"Este é meu relatório", disse Valdes, que, com o cabelo preso em um coque e tatuagens emergindo de dentro das barras dos shorts, parecia quase tão havaiano quanto cubano. "E o mar está liso de novo. Onde estão minhas ondas?"
As ondas virão, com quase dois metros, no dia seguinte, mas para os surfistas de Cuba, outros suprimentos básicos para o esporte são difíceis de se encontrar. Parafina, novas pranchas ou simples notícias online sobre surfe são escassas. A política cubana, combinada com o bloqueio dos Estados Unidos, fez do surfe neste país uma atividade, no mínimo, complicada.
Mas o esporte persiste em Cuba através da determinação de surfistas nativos e organizações caseiras como a Royal 70, cooperativa cubana sem fins lucrativos fundada por Valdes e pelo surfista australiano Blair Cording. Até hoje, já houve duas competições nacionais de surfe em Havana, uma delas atraindo o patrocínio da Red Bull. Outra competição nacional estava marcada para fevereiro.
Ainda assim, sem acesso a informações como vídeos ou revistas de surfe ("Nós lutamos por até uma única página", disse Valdes), surfistas de Cuba fazem seu progresso no esporte por um caminho separado do resto do mundo.
"Eu comecei a surfar por intuição", disse Frank Gonzalez, de 26 anos, que fala com o jeito mole de um surfista da Califórnia, se esse surfista falasse o dialeto cubano do espanhol. "E minhas manobras não eram nem um pouco modernas. Então, depois de surfar por quatro anos, eu vi meu primeiro vídeo de surfe. Nossa, eu fiquei impressionado, porque não era nada parecido com o que eles fazem aqui. E daí comecei a aprender as novas manobras."
Durante anos, ter uma prancha de surfe moderna em Cuba era tão raro quanto ter passaporte. A maioria dos surfistas precisava usar pedaços de madeira compensada cortados grosseiramente, conhecidos como pleybos, frequentemente arrancados de carteiras escolares descartadas e cobertos por resina do mercado negro.
Aqueles que achavam um bom pedaço de madeira pregavam uma nadadeira de madeira improvisada no fundo e anexavam um pedaço de varal como trela. Velas eram derretidas por cima a fim de substituir a parafina. Não existia uma técnica para dar forma era uma surpresa.
Os poucos sortudos que encontravam geladeiras descartadas em ferros-velhos arrancavam sua espuma amarela e montavam pranchas, utilizando raladores de queijo e cabides – o mais perto que um cubano poderia chagar de uma prancha moderna de poliuretano. Fibra de vidro encontrada em estaleiros e navios naufragados cobria a espuma amarela de geladeira, mas deixava as pranchas pesadas. Mas, com a mudança na tecnologia dos refrigeradores, até mesmo achar a espuma tornou-se difícil.
Somado ao desafio está o perigo de surfar no principal pico de Havana, o Calle 70. As ondas azuis de aço passam como uma lâmina por um recife afiado, pontilhado com ouriços; a maioria das quedas termina em sangue.
'É, provavelmente, o lugar mais assustador no qual eu já surfei', disse Cording, de 42 anos, que vendeu tudo que tinha para viajar para Cuba e trazer pranchas doadas para Valdes e para os surfistas de Havana. 'E o único jeito de entrar é pulando dessa placa de concreto e torcendo para não ser esmagado entre as ondas.'
Não é exatamente uma praia para iniciantes.
'Esses lugares são muito perigosos para pessoas que estão aprendendo', disse Valdes. 'Se nós talvez pudéssemos mudar para o lado oriental da cidade, que tem praias de areia, e tivéssemos um sistema de transporte melhor, seria diferente. Ou se um de nós pudesse comprar um carro, poderíamos dizer: 'Certo, coloque as pranchas em cima do carro e nós iremos'. Mas viajar é difícil para os cubanos.'
Além das dificuldades logísticas, os surfistas de Cuba têm tido que empreender uma campanha de relações públicas com o governo.
A infraestrutura do esporte em Cuba é similar à da antiga União Soviética, onde esportes reconhecidos oficialmente como beisebol e boxe recebem apoio financeiro, treinadores e apoio do governo. O surfe não apenas não é reconhecido aqui, mas a ideia de cubanos nadando para fora das margens protegidas com um artifício que boia também pode deixar os policiais apreensivos.
Jose Goitia/The New York Times
Jose Goitia/The New York Times
De acordo com a tradição cubana, os primeiros surfistas foram jogados na cadeia.
'Quando os policiais os soltaram, disseram: 'peguem suas pranchas e voltem para Havana'', contou Valdes. ''Nós não queremos vê-los pela praia com suas pranchas.' Porque eles diziam que estávamos tentando deixar o país.'
Gonzalez completou: 'Minha mãe me castigava por ir a praia. Eu precisava fugir de casa ou faltar à aula se eu quisesse tentar surfar durante os primeiros cinco anos. Eu até escondi minha prancha na casa de um amigo'.
Para ajudar a melhorar a imagem do surfe, Valdes e Cording organizaram missões de boa vontade em nome do surfe.
No último Natal, Valdes trouxe 800 dólares em comida e doações para um orfanato em Havana com dinheiro arrecadado pela Royal 70 na Austrália. Os surfistas de Havana regularmente organizam limpezas nas praias ao redor da cidade. E o mais importante, eles continuam surfando sem criar problemas para as autoridades do governo.
'O governo se debate com a ideia do surfe', disse Cording, que trabalha com o ministério de esportes de Cuba para negociar o fluxo das doações. 'É uma ideia muito nova para eles. Se nós dissermos a eles o que estamos fazendo, eles praticamente já disseram que estão a favor de ver o crescimento do surfe na ilha. Mas eles não nos apoiam financeiramente. Então, nos disseram para fazermos por baixo dos panos, e eles fariam vista grossa.'
Ter permissão para desenvolver o esporte por conta própria abriu as portas para que pingassem doações relacionadas ao surfe, com a ajuda da Royal 70 e de outros viajantes. Por exemplo, um time de rúgbi australiano chamado Warringah Rats recentemente visitou Cuba para jogar partidas de exibição. Os Rats levaram pranchas, trelas, vídeos e parafina para doar aos surfistas de Havana.
Praticamente todas as doações viajam através de Valdes. Sua casa no bairro Playa, em Havana, um apartamento estreito de três quartos, no alto de cinco lances de escada sem iluminação, é a coisa mais parecida em Cuba com uma loja de surf ocidental.
Jose Goitia/The New York Times
Jose Goitia/The New York Times
Equipamentos doados, ferramentas de modelagem, pranchas que precisem de reparos e algumas revistas valiosas estão espalhados pela sua sala. Mas, graças à revolução, tudo é compartilhado, de graça.
Valdez mantem a lista de pessoas que querem pranchas. Quando um novo carregamento chega, ele distribui as pranchas para as próximas pessoas na lista, com uma condição: Caso eles tenham uma prancha velha, devem passá-la para outra pessoa da lista, de graça, e assim por diante.
Os picos de surfe em Havana estão lotados, mas com o progresso do surfe por aqui, há a esperança que as pessoas comecem a se espalhar. Cuba tem mais de 3.700 quilômetros de costa, mas o site Surfline – que fornece relatórios e repartições de picos de surfe – listam apenas quatro picos na ilha.
'Em 1995, Cory Lopez, Shea Lopez e outros surfistas profissionais vieram para Cuba', disse Gonzalez. 'Eles foram para perto de Holguín e acharam um ótimo lugar de que ninguém nunca havia ouvido falar. Há muitos lugares que não conhecemos porque são difíceis de explorar.'
Para Valdes, todos os problemas enfrentados pelos surfistas de Cuba poderiam ser resolvidos de uma vez com uma mudança: uma loja de surfe moderna.
'Eu só quero que apareça alguém e faça uma loja de surfe aqui, pelo menos com parafina e trelas e, quem sabe, rashguards', disse ele. 'Nós seríamos sustentáveis. Isso seria o suficiente.'
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fonte: google
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