GUIA CULTURAL DA COPA DAS CONFEDERAÇÕES - O perigo da história única da Nigéria

Chimamanda Adichie é nigeriana, escritora e contadora de histórias. Das várias que conta, algumas tiveram certa repercussão por conta de um vídeo postado no Youtube recentemente. Divaga ela sobre o que chama de "perigo de história única". E prova o que acontece quando uma suposta verdade é sempre repetida, algo semelhante com o que se faz com o futebol nigeriano.

O Guia Cultura da Copa das Confederações será publicado em sete capítulos, até o dia 14 de junho, no ESPN.com.br. Na segunda-feira, será a vez do Uruguai.

A escritora, filha de uma família de classe média nigeriana, com empregada doméstica em casa, lembra-se de quando saiu do país para fazer universidade nos Estados Unidos, aos 19 anos. Encontrou uma colega de quarto que ficou estupefata quando viu que Chimamanda falava inglês. Mais surpresa ainda ficou ao saber que o inglês é a língua oficial do país.

"Ela perguntou se podia ouvir o que ela chamou de "minha música tribal", e consequentemente, ficou muito desapontada quando eu toquei a música da Mariah Carrey", conta ressaltando que a colega presumiu que ela não saberia como usar um fogão, tudo porque ouviu "uma só história de catástrofe" sobre a Nigéria, uma só história sobre a África.

"Ela tinha uma certa pena de mim antes mesmo de me conhecer", completa.

A seleção da Nigéria que está no grupo B da Copa das Confederações está acostumada a ouvir a única história sobre o seu desempenho. De que o futebol do continente é inocente, só baseado em velocidade e correria, sem tática, sem padrão. Não importa o ouro olímpico de 1996 (que é dado mais como conquistado por erros de Brasil e Argentina do que por competência africana). Pouco importa que nas Copas de 1994 e 1998 a Nigéria encantou na primeira fase, passando em primeiro do grupo. O que importa é a suposta falta de experiência que fez a seleção cair nas oitavas contra uma Itália vice campeã no Estados Unidose uma Dinamarca que deu trabalho ao Brasil na Copa da França.

"Uma única história cria estereótipos. E o problema com estereótipos não é que eles sejam mentira, mas que eles sejam incompletos. Eles fazem uma história tornar-se a única história" disse em seu discurso a nigeriana, que arrancou aplausos do publico. A frase pode servir de inspiração às aspirações nigerianas na Copa das Confederações, ou aos cinco times do continente africano que virão ao Brasil em 2014.

É provável que muitos saibam que foi Kanu, Okocha ou Oba Oba Martins, craques do passado do país. Mas é improvável que poucos conheçam algo sobre a ótima música contemporânea que a Nigéria cria, com influências que vão de Jay Z, passando por Fela Kuti e Bob Marley.

Provavelmente, ninguém leu a notícia sobre uma advogada do país que derrubou uma lei histórica do país que obrigava as mulheres a pedirem autorização formal dos maridos para renovarem o passaporte.

Você sabia, por exemplo, que a produção cinematográfica do país é a terceira maior do mundo em número de filmes? Que o setor cinematográfico é o segundo que mais emprega no país, depois do governo?

Que o Serrano de Petrópolis conta com Tornubari Monday, jogador nigeriano é esperado que ninguém saiba. Mas é esperado que pensem que é mais um pobre africano tentando uma sorte que nunca vai alcançar no Brasil. Tornubari se formou em Educação Física nos Estados Unidos e veio ao Brasil atrás de experiência do que chama da "linguagem do futebol". Quer "se conectar as pessoas".

Mais detalhes sobre "Nolywood" e sobre Tornubari você confere na reportagem do Guia Cultural da Copa das Confederações feita para os canais ESPN.

"Quando percebemos que não há uma só história sobre qualquer lugar, nós reconquistamos um paraíso", finaliza, antes dos aplausos, Chimamanda Adichie. O vídeo completo com todo discurso da escritora você vê abaixo. A Nigéria, você vê tentando reconquistar o paraíso estreando na Copa das Confederações a partir do dia 17, quando o time enfrenta o Taiti no Mineirão.

FONTE: ESPN