Em Minas Gerais, Leleu é convocado para treinar com os profissionais, ainda em 2012. Aproveita a oportunidade e aparece com novo penteado, pintando o cabelo de loiro. A comissão técnica dá um puxão de orelha, e o jogador retorna à atividade da tarde com um corte mais discreto. O brinco, porém, não sai da orelha.
Um dos destaques do Santos na Copa São Paulo de Futebol Júnior deste ano, Neilton costuma valorizar o visual, muito parecido com o de Neymar. O mesmo faz Gabigol, que garante ter um moicano mais bonito que o do craque santista.
Os exemplos são apenas alguns da atual geração sub-20, que cada vez mais cedo ganha espaço entre os profissionais e destaque na mídia, aumentando sua remuneração e o faturamento dos clubes com venda para o exterior. A eliminação precoce da seleção no Sul-Americano da categoria - não conseguindo ficar entre os três primeiros em um grupo de cinco - fez surgirem críticas e dúvidas sobre o comportamento dos atletas. A primeira partiu do próprio técnico Émerson Ávila, que afirmou:
- O jogador hoje em dia tem muito poder no futebol. Talvez isso aconteça por concessões que o clube acaba fazendo.
Diante deste cenário, o GLOBOESPORTE.COM ouviu jogadores, técnicos, dirigentes, psicólogos e empresários e visitou treinos dos juniores dos quatro principais times do Rio de Janeiro, além de ouvir histórias e depoimentos em outros clubes grandes do país. Jogadores se defendem, treinadores apontam falhas em certas posturas, empresários tentam evitar jovens problemáticos e psicólogos procuram estudar até a estrutura familiar para traçar metas e evitar deslizes no meio do caminho. A ascensão meteórica e o crescimento socioeconômico parecem ter mudado o comportamento dos jogadores na base. E será que estão tomando o cuidado devido com eles?
O Flamengo forneceu um exemplo de comportamento de jovens da base e de quem os comanda. No fim de um treino no Ninho do Urubu, em uma conversa entre juniores e recém-promovidos aos profissionais, Rodolfo conta que, ao chegar de carro, o porteiro perguntou a ele e a Rafinha se eram atletas - procedimento para a identificação de quem entra e sai do CT. Rafinha, sorrindo, complementa que fechou o vidro da janela do carro e seguiu.
Os dois receberam de volta gargalhadas e a frase de um dos integrantes da comissão técnica da base: “Ele não vê jornal?”. O episódio foi dias antes da vitória por 4 a 2 sobre o Vasco, partida em que Rafinha de fato se destacou.
- Nesse dia nós chegamos e demos bom-dia. Aí, ele (o porteiro) nos deu a plaquinha (do estacionamento) e perguntou se éramos atletas. Nós rimos e fomos embora. Passamos todo dia por ele, e via nossa cara. Com certeza éramos atleta - contou Rodolfo.
A psicóloga dos juniores do Botafogo, Michele Melhem, não citou casos específicos, mas explicou como agir no convívio diário ao ser questionada sobre o excesso de brincadeiras das comissões técnicas com os jogadores na base.
- É importante não perder a interação, a relação de brincadeira, ainda mais nos juniores, porque consideramos que eles não estão prontos. Mas é extremamente pertinente o que está dizendo, tem que saber a hora de dar a bronca, ser mais duro, falar com seriedade. Mas a brincadeira existe até no profissional, como um estilo para formar um espírito coletivo de grupo
- O que atrapalha mesmo é o psicológico do jogador. A gente almeja aquilo desde cedo, e, quando chega lá, tem que descer... O pessoal desce até um pouco desanimado, porque quer ficar lá (no profissional) para sempre - contou o lateral-direito Igor Julião, de 18 anos, que atua no Fluminense e evita o estilo boleirão de se vestir.
O contato com ídolos é acrescido ao deslumbramento com a nova vida. E os treinadores creem que isso foge do controle, acreditando que pode existir certo descompromisso com a base.
- Às vezes eles pensam que viraram jogadores (profissionais). Vemos acontecer essa falta de compromisso, ou com clube ou com a seleção sub-20, o que nos deixa chateados. Aqui no Fluminense tentamos interferir no processo. Não é fácil, tem muita coisa de fora que interfere. É uma briga de cachorro grande. Nós queremos puxar para um lado e muita coisa puxa para outro - opina Marcelo Veiga, técnico dos juniores do Fluminense.
Ideia parecida tem Cleber dos Santos, treinador do Flamengo.
- Os jogadores estão sendo aproveitados muito precocemente. Uma cobrança muito grande para os jogadores de 15 a 17 anos, de apresentarem um rendimento de profissionais. E essa cobrança pelo rendimento também altera o comportamento. Eles veem como espelho os jogadores do profissional, que têm um comportamento diferente dos da base pelo salário, pelo local onde moram, pelo status social. Então esses jogadores, quando começam a ter esse tipo de cobrança, se acham no direito de se comportarem da mesma maneira que os profissionais. Vejo que isso é uma bola de neve. Pela cobrança, pelo espelho nos jogadores do profissional, que têm muitas regalias... Os jogadores da base veem isso como uma forma natural, como tem acontecido ultimamente - disse.
A possibilidade de maior remuneração é demonstrada de diversas maneiras no mundo das categorias de base. Em um treino do Vasco, um funcionário avisava que teria de conversar com Jhon Cley - que trabalhava com os juniores após um período entre os profissionais. E ouve de outro jogador, em tom de brincadeira: “Já vai sufocar”, uma maneira de dizer que faria um pedido de ordem financeira. No Flamengo, houve episódio semelhante: um funcionário aproximou-se da lateral e brincou com um atleta: “Quando estiver lá (no profissional), vai me dar um carro de presente”.
Muito dinheiro
Então entra o dinheiro. Nos juniores, os atletas recebem em média de R$ 2 mil a R$ 4 mil. Em casos extremos de promessas com potencial, os salários podem alcançar valores próximos de alguns profissionais. Isso faz com que se tornem comuns, em treinos dos jovens, tênis extravagantes e chuteiras com cores chamativas - geralmente cedidos por fornecedores de material com quem eles já têm contrato ou oferecidos pelos empresários - além de celulares de última geração e cordões de ouro. E às vezes o comportamento sai dos treinos e vai para as redes sociais.
Renan, apelidado de Panterinha por ser filho do ex-atleta Donizete Pantera, postou no Twitter que havia gastado R$ 1.800 em uma boate. Cobrado por alguns torcedores na rede social, o meia do Flamengo respondeu com um novo post: “Não sou nenhum Adriano da vida, não! Não sei nem o que é esse dinheiro. Era só zoação. Quem me dera ter 1.800”.
Atual treinador da base do Botafogo, Anthony Santoro faz uma comparação com duas promessas do Fluminense da época em que trabalhou por lá.
- O Lenny uma vez chegou a um treino com um Audi, um carrão. Foi lá nos ver em Xerém. Ele não vinha de um momento bom no profissional. Veio com a calça camuflada, cheio de cordão, óculos de dar inveja em mulher. Falei que era o momento de passar despercebido. Disse: “O momento não está bom para você. Chega mais tranquilo, reservado, para não virar o holofote para você”. Ele só ouviu. No dia seguinte, chegou o Marcelo, com um Peugeot 206, bermudinha tranquila. Ele quase saindo para o Real Madrid, e o Lenny em um momento ruim, os dois no profissional. O Marcelo mais tranquilo, reservado, e decolou. O Lenny até hoje não conseguiu - conta Anthony Santoro, que também trabalhou no Flamengo e citou Bruno Paulo como exemplo de jogador que se deslumbrou com dinheiro.
Vilão ou não?
Quem trabalha com a base costuma reclamar da ação de empresários. Técnico do Flamengo, Cleber dos Santos diz que os jovens ganham mimos dos agentes - às vezes para criar um vínculo - e perdem contato com a realidade deles. Narciso, treinador do Palmeiras, cita o empresário que faz a vontade dos clientes:
- O jogador não tem muito compromisso de brigar pela posição. Deveria se desdobrar e provar que tem o mesmo nível do que está jogando. Mas ele fala com o empresário, que o tira do clube e o coloca em outro.
Os empresários de renome se defendem e garantem que têm diminuído a ação nas categorias de base. Segundo eles, o mercado está aquecido para quem acabou de entrar no ramo e oferece ajuda de custo, bens materiais e pertences para cativar os meninos e criar um vínculo afetivo que os garanta vantagem em futuras negociações de contrato.
- Estamos investindo pouco na base. Os empresários em geral procuram pagar uma ajuda de custo. Mas é trabalhoso. Eu não tenho muito jogador na base. Mas investimos. O grande problema são os treinadores da base. Se tivessem nível de cultura melhor para trabalhar, ajudaria muito. São geralmente ex-jogadores, que têm o mesmo vício que tinham quando eram jogadores. Os clubes deveriam ter um trabalho melhor. Deveria haver um curso para os treinadores da base - disse Léo Rabello, que tem entre seus jogadores Thiago Neves, do Flu, e Bernardo, do Vasco.
Hábitos diferentes
Alguns jogadores tentam fugir de um comportamento que chame a atenção. Filho de médico, Carlos Daniel, de 18 anos, deixou Manaus para se dedicar ao futebol e divide treinos do Botafogo com a leitura e estudos. Aprovado na primeira fase de medicina na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), não conseguiu fazer a segunda etapa por causa de um compromisso pelos juniores.
- Brinco, cordão, não gosto muito. Procuro sempre estar na minha, para não puxar a responsabilidade para mim. Uma responsabilidade que talvez ainda não seja minha. Mesmo quando estiver na mídia, na fama, vou procurar ser o mais simples possível. Além de jogar futebol, procuro ser bom no estudo também. Meu pai é médico e me incentiva muito para estudar, para ler - contou.
O pilar da família, aliás, é um dos principais pontos observados por psicólogos.
- A base familiar faz o atleta se diferenciar nos seus comportamentos, tanto de disciplina quanto de gerenciamento de carreira. O que não significa questão econômica. Estou falando de base familiar, sistema afetivo, emocional, de apoio, comunicação. Vemos pessoas de baixa renda, com estrutura de família sólida, e o menino se destacando. A questão familiar faz toda a diferença para se desenvolver no futebol - explica a psicóloga Michele Mellen, do Botafogo.
E os conselhos deveriam perdurar, na opinião de Anthony Santoro, técnico da base alvinegra:
- Sabemos que muitas vezes as coisas entram em um ouvido e saem pelo outro, mas de tanto falar alguma coisa pode ficar.
- O Lenny uma vez chegou a um treino com um Audi, um carrão. Foi lá nos ver em Xerém. Ele não vinha de um momento bom no profissional. Veio com a calça camuflada, cheio de cordão, óculos de dar inveja em mulher. Falei que era o momento de passar despercebido. Disse: “O momento não está bom para você. Chega mais tranquilo, reservado, para não virar o holofote para você”. Ele só ouviu. No dia seguinte, chegou o Marcelo, com um Peugeot 206, bermudinha tranquila. Ele quase saindo para o Real Madrid, e o Lenny em um momento ruim, os dois no profissional. O Marcelo mais tranquilo, reservado, e decolou. O Lenny até hoje não conseguiu - conta Anthony Santoro, que também trabalhou no Flamengo e citou Bruno Paulo como exemplo de jogador que se deslumbrou com dinheiro.
Vilão ou não?
- O jogador não tem muito compromisso de brigar pela posição. Deveria se desdobrar e provar que tem o mesmo nível do que está jogando. Mas ele fala com o empresário, que o tira do clube e o coloca em outro.
Os empresários de renome se defendem e garantem que têm diminuído a ação nas categorias de base. Segundo eles, o mercado está aquecido para quem acabou de entrar no ramo e oferece ajuda de custo, bens materiais e pertences para cativar os meninos e criar um vínculo afetivo que os garanta vantagem em futuras negociações de contrato.
- Estamos investindo pouco na base. Os empresários em geral procuram pagar uma ajuda de custo. Mas é trabalhoso. Eu não tenho muito jogador na base. Mas investimos. O grande problema são os treinadores da base. Se tivessem nível de cultura melhor para trabalhar, ajudaria muito. São geralmente ex-jogadores, que têm o mesmo vício que tinham quando eram jogadores. Os clubes deveriam ter um trabalho melhor. Deveria haver um curso para os treinadores da base - disse Léo Rabello, que tem entre seus jogadores Thiago Neves, do Flu, e Bernardo, do Vasco.
Hábitos diferentes
Alguns jogadores tentam fugir de um comportamento que chame a atenção. Filho de médico, Carlos Daniel, de 18 anos, deixou Manaus para se dedicar ao futebol e divide treinos do Botafogo com a leitura e estudos. Aprovado na primeira fase de medicina na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), não conseguiu fazer a segunda etapa por causa de um compromisso pelos juniores.
- Brinco, cordão, não gosto muito. Procuro sempre estar na minha, para não puxar a responsabilidade para mim. Uma responsabilidade que talvez ainda não seja minha. Mesmo quando estiver na mídia, na fama, vou procurar ser o mais simples possível. Além de jogar futebol, procuro ser bom no estudo também. Meu pai é médico e me incentiva muito para estudar, para ler - contou.
Carlos Daniel foi aprovado em medicina e foge do
estilo boleirão (Foto: Diego Rodrigues)
- A base familiar faz o atleta se diferenciar nos seus comportamentos, tanto de disciplina quanto de gerenciamento de carreira. O que não significa questão econômica. Estou falando de base familiar, sistema afetivo, emocional, de apoio, comunicação. Vemos pessoas de baixa renda, com estrutura de família sólida, e o menino se destacando. A questão familiar faz toda a diferença para se desenvolver no futebol - explica a psicóloga Michele Mellen, do Botafogo.
E os conselhos deveriam perdurar, na opinião de Anthony Santoro, técnico da base alvinegra:
- Sabemos que muitas vezes as coisas entram em um ouvido e saem pelo outro, mas de tanto falar alguma coisa pode ficar.
FONTE: GLOBO ESPORTE
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