segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Sobre aprender e ensinar – O quadro do bom comportamento (parte final)


Um dos grandes conflitos que surgiu em mim depois que me tornei mãe foi a mudança de perspectiva em relação à minha postura diante da vida. De uma hora para outra, de aprendiz faceira me obriguei a vestir a toga de mestre. Uma mestra meio rebelde, diga-se. Eu queria continuar na vida fácil, fluindo ao sabor do vento com as experiências, e não ser obrigada a doutrinar outra pessoa. Cada um que cuide da sua vida, era o meu lema, como assim eu teria que, para sempre, tomar conta de outro ser?
Não foi uma mudança prazerosa. Talvez aos 31 anos, quando ganhei a Bia, eu fosse imatura e não estivesse pronta para a missão. Talvez nunca ninguém esteja, realmente, até ser obrigado a assumir o novo papel. Quando não temos filhos, a vida nada mais é do que um grande recreio. Tudo o que acontece é computado num boletim de ocorrências e nós, como bons alunos, procuramos tirar as melhores notas para passar pelas fases. Se não passarmos? Repete-se de ano, perde-se tempo. Simples assim. 
Quando nos tornamos pais, erros têm consequências mais profundas. Não passa de fase? Seu filho também não. Há quem não se importe, eu me importo. Na categoria de “ensinador”, você quer acertar não apenas por si, mas para que seu rebento cometa erros menores e também sofra menos. É a evolução da espécie, fazemos de tudo para que nossos descendentes sejam seres humanos melhores do que fomos e somos. Infelizmente, muitos de nós, porque nos foi dada a missão de ensinar, desaprendemos a aprender. Tentar aprender ensinando é, na minha opinião, o maior desafio de uma mãe. 


O post de hoje começa, na verdade, aqui. No relatório final do "quadro do bom comportamento" que implementei para que a Ana Bia melhorasse em condutas que andavam precisando urgentemente de um upgrade. Mas ela não evoluiu muito além do que eu já havia relatado no segundo post, sobre "ajuste nas regras". Pior: regrediu. Em certos pontos que já havia incorporado à rotina como levar o prato até a pia, fazer a cama e dobrar e guardar o pijama, muitas vezes me pego tendo que lembrá-la. E esse retrocesso irritante foi uma aula de humildade. 
Aprendi que, se você quiser que seu filho evolua, treino e supervisão constante são fundamentais. Eu disse “constante”. Por isso histórias sobre bruxos e feiticeiros fazem tanto sucesso: adoraríamos, adultos e crianças, ter uma varinha de condão que movesse as coisas de volta a seus lugares. Mas não há mágica. Você pode criar métodos mil, como eu criei este, e achar que quando a criança aprender é para sempre. Às vezes é, na maioria não é. Ela dá um passo à frente e dois atrás. E lá vai você pegá-la pela mão e começar tudo de novo.

Num dia ela faz o dever de casa sozinha, no outro relaxa e não faz. A caligrafia tão linda de ontem, sem supervisão vira o garrancho de hoje. A preguiça deixa a roupa suja no chão do banheiro e, sim, crianças são preguiçosas. Elas podem ser, você não. É nosso dever fazer com que voltem, recolham seus pertences e levem até o cesto da área de serviço. Mil vezes? Mil vezes. É chato? Muito chato. Como bem disse a Adri no último post, “Ah, bem que gostaríamos de estar nós, pais, em uma baladinha ou no cinema com amigos!”. Pois é.

A conquista da excelência é das tarefas mais odiosas e sacrificantes da vida. Por isso poucos chegam lá. Por isso, tão raros merecem verdadeiramente uma nota dez. Cabe a nós, pais, definir quando esse dez é fundamental e quando o estresse não vale a pena. É preciso foco. Qual o seu nível pessoal de exigência? Seu filho sabe o que você espera dele? Você não espera nada e é ele que espera de você? A excelência se atinge com a constância. A constância, em criança, se obtém com imposição. Principalmente, de limites. E é sempre bom lembrar: quem coloca limite em criança são os adultos.
Aprendi que não se deve elogiar antes do tempo. É como comprar um bilhete de loteria e sair espalhando que você ganhou a bolada. Você só realmente recebe o prêmio se for sorteado. Até lá, fique na torcida. Se o seu filho pedir uma nota (a Bia constantemente pede para avaliá-la assim), nunca dê um dez. Nunca mesmo. Se tudo estiver perfeito, maravilhoso, conceda um 9,9. Para que a criança jamais pare de se esforçar. Para que tenha em mente que, se continuar se superando, ainda pode subir um degrau.


Aprendi que se você não tem tempo para se dedicar a uma causa, não espere que a criança o faça sozinha. Nos dias em que sento do lado da Bia no teclado, ela é capaz de ficar horas tocando. Salvo raras exceções, como as autodidatas, crianças não estudam por si só. É por isso que existem professores particulares. O quadro do bom comportamento fez com que Ana Bia praticasse com mais afinco? Não. Tenho disponibilidade de ficar uma hora por dia ali com ela? Não. Posso pagar alguém para fazer isso por mim? Não. Então, tirei esse quesito da lista de excelência. Ana Bia não será uma concertista e lidarei bem com esta culpa. Mas sim, vai continuar indo às aulas, pois quer ser cantora e é importante que estude música. Assunto resolvido.

Apesar de ter sido criado para educar a Bia, acho que quem se beneficiou com o quadro fui eu. Hoje consigo enxergar melhor as minhas falhas como educadora e onde preciso ser mais firme, mais presente, menos cricri, mais tolerante, menos amiga, mais mãe. O quadro está completo, 50 tarefas foram realizadas, Ana Bia ficou radiante. Pulava feito cabritinho com a conquista, acho que para ela a experiência de se esforçar com tanto empenho e por tanto tempo para receber algo que desejava muito foi nota 10. Ou 9,9. Afinal, sempre se pode melhorar.

FONTE: http://estilo.br.msn.com

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